Com a intenção de deixar um legado sobre suas experiências como líder, Artur Coutinho, COO da Embraer, decidiu escrever um livro, Vivências sobre Liderança, contando histórias pelas quais passou durante anos nessa função. Tendo atingindo uma grande posição de liderança, ele acredita ter a responsabilidade de atuar na formação e no desenvolvimento de outros líderes, e por esse motivo falou com a revista profissional & negócios sobre suas ações e experiências.
Coutinho é engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) na turma de 1971 e concluiu o mestrado em Análise de Sistemas pelo INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais). Trabalhou no Grupo Engesa, inclusive com uma passagem por sua subsidiária ENGEX no estado da Bahia. Desenvolveu carreira de supervisor de planejamento na Engesa e superintendente da ENGEX. Saiu da primeira em 1987, aceitando uma posição de gerente de produção na então Empresa Brasileira de Aeronáutica, depois passando a gerente de produção e vice-presidente executivo e COO da empresa, hoje Embraer S.A.
Na Embraer atuou nas áreas de produção, qualidade, pessoas e treinamento, serviços ao cliente, negócios nos EUA, Canadá e Caribe, todas as unidades fabris no Brasil e no exterior, além de se responsabilizar pelas atividades administrativas nas bases do exterior por meio da liderança dos country presidents dessas referidas bases. Como COO, também lidera a engenharia e os programas de excelência na empresa, mais especificamente os processos ligados à tecnologia da informação, inovação, gestão do conhecimento e adoção da Filosofia Lean.
Profissional & Negócios - Qual foi o seu objetivo ao escrever o livro Vivências sobre liderança? Artur Coutinho - Eu tenho uma boa experiência em liderança: 40 anos de trabalho como líder. E nessa minha trajetória, desenvolvi muitos líderes nas organizações por onde passei. Mais recentemente, na Embraer, realizamos um trabalho muito forte para desenvolver a liderança empresária, e venho trabalhando muito nesse sentido. Por conta de todo esse trabalho, a gente acaba acumulando uma série de vivências e experiências, que decidi colocar no papel com o objetivo principal de atingir uma liderança jovem. O livro foi escrito de uma maneira bem leve, não é acadêmico, e baseado na vida real, sempre com uma mensagem de desenvolvimento de líderes. São de fato contos e causos, como diz o caipira, muito curtos, que transmitem alguma lição e ensinamento para esse público jovem de líderes. Então, escrevi o livro focando em líderes jovens e baseado na minha liderança. Sou o COO da empresa e tenho muitos líderes ligados a mim, até nível de supervisão. Na Embraer, nós temos 280 líderes só da minha área. Então, meu objetivo era deixar um legado para esses jovens.
p&n - Esses causos e contos realmente aconteceram?
Coutinho São cem por cento casos reais, e muitos deles, inclusive, usados para fazer desenvolvimento de liderança.
p&n - E nesses quase 40 anos de trajetória profissional, qual foi o seu maior desafio como líder?
Coutinho - Acho que meu maior desafio foi meu próprio amadurecimento como líder. Tenho uma personalidade muito forte e um nível de energia muito alto, o que, de certa forma, combina bem como o papel do líder, mas às vezes tinha dificuldade de controlar essa questão no relacionamento com a cadeia hierárquica que estava ligada a mim. Então, muitas vezes adotei posições muito fortes, mas nem sempre isso era perfeitamente entendido pelas pessoas. E o que acontece quando você entra em um cenário desses é ser considerado duro demais, o que acaba dificultando um pouco o processo de liderança. Então, meu grande desafio foi encontrar o equilíbrio entre as necessidades de geração de resultados, a disponibilização de meios para que esses resultados sejam atingidos e o processo de comunicação para a equipe a respeito dessa necessidade, sem avançar um pouco o sinal na direção dessa força quase desproporcional que acabava atrapalhando um pouco o exercício da própria liderança. Eu diria que quem entende a relevância da geração de resultado para o moral da própria equipe e para a sustentabilidade do negócio percebe melhor a questão dessa energia e dessa força, mas quando não entende isso, passa a achar que você está usando muita força na direção daquilo que precisa ser executado. Isso provavelmente foi uma das maiores dificuldades que enfrentei na minha vida como líder.
p&n - O que ajudou você a se tornar um grande líder?
Coutinho - Na minha geração e em muitos empreendimentos da geração atual, o líder é forjado na própria vida, não existe um investimento muito forte em desenvolvimento de líderes em muitas empresas. No meu caso, também não passei por esse investimento, não fui muito treinado nesse processo, digamos assim. Então, amadureci pela própria atuação. E escrevo, inclusive no próprio livro eu falo sobre isso, que é muito importante um líder ter a atitude adequada. Então, você tem a questão do conhecimento, da sabedoria e da atitude. Conhecimento você pode correr atrás, sabedoria você consegue acumular pelas experiências, mas atitude correta é determinante para o sucesso. Para o líder se desenvolver sempre, precisa ter alguém que funcione para ele como um guru, alguém que seja um líder destacado na sua organização, ou em outra, e que ele possa observar, porque liderança se aprende. É história essa afirmação de que liderança é nata. Ela se aprende. Tendo um guru e atitudes corretas, liderança se aprende. Eu tive um líder no meu primeiro emprego que era muito forte na organização em que estava, ele entregava resultado, zelava pela equipe e era muito respeitado dentro da organização, então, esse foi o primeiro empurrão que tive na direção da liderança.
p&n - Foi alguém em quem você se inspirou de forma consciente?
Coutinho - Minha atitude sempre foi de me desenvolver, aprender e ocupar todos os espaços que eu conseguisse. Observando esse líder, digamos assim, descobri o caminho que eu tinha que seguir para chegar a uma posição de liderança naquela organização, e esse foi um empurrão importante na minha carreira. Inclusive menciono no livro: feliz daquele que tem um líder forte no primeiro emprego, porque é nele que você vai estabelecer os seus padrões. E se você estabelece os padrões corretos, isso o leva muito mais longe do que se você tiver um líder frágil, fraco e incompetente no sentido do processo da liderança, que não dá a você os padrões adequados e pode prejudicar sua carreira para o resto da vida.
p&n - Você disse que liderança se aprende. Porém, muitos RHs colocam como principal desafio o desenvolvimento dessa liderança. Qual tem sido o problema na formação de pessoas para serem líderes, então?
Coutinho - Eu vejo assim: o que dá medo ao RH é o fato de ele não ser um líder forte e ter que desenvolver uma liderança. Quando você não é, não conhece os caminhos para chegar lá. E isso se traduz como um receio do RH. A área de Recursos Humanos tem que funcionar como um facilitador nesse processo, então, tem que criar a programação para que, por meio de coaching, casos, workshops, apresentações feitas por líderes reconhecidos, produza-se um cenário em que os líderes se desenvolvem. E talvez ele tenha um pouco de medo, porque, não sendo um líder, como ele vai desenvolver uma equipe de liderança? O que eu acho é que o desenvolvimento da liderança em uma empresa é responsabilidade dos próprios líderes, os melhores. Os que estão mais destacados na organização têm de assumir o papel de desenvolvedores de líderes. Ou seja, é o líder formador de líder, que é o que tento fazer na minha vida. A nossa organização hoje considera a liderança como um dos maiores capitais intangíveis que ela tem. O líder é considerado um valor, um capital intangível na empresa, pois ele é o grande catalisador e motivador de todas as transformações dentro da organização. Então, se a liderança não muda, não gera o desenvolvimento para algo diferente, ninguém vai gerar. O líder tem de assumir esse papel. E ao formar outros líderes dentro da organização, ele eleva o nível da empresa como um todo, aumenta os resultados, melhora a percepção moral da equipe e a satisfação das pessoas. A liderança é uma força muito importante nas empresas, e muitas vezes não é tratada adequadamente do ponto de vista do desenvolvimento que é um fato, para mim, extremamente relevante e que tentamos fazer por meio do Programa de Líder Empresário.
p&n - Você pode contar um pouco sobre esse programa?
Coutinho - Ele é um programa que passa por uma série de ações. Nós já tivemos momentos em que fizemos workshops sobre liderança, trabalhamos temas, trouxemos pessoas relevantes no cenário da liderança nacional para conversar sobre a função da liderança e a visão de negócios. Temos feito também coaching, por meio de entidades externas à empresa, e é um trabalho constante. Temos cursos sobre liderança feitos por consultores externos. Os líderes são escalados para participar de bons cursos de liderança que temos no país. A AMANA, por exemplo, é uma entidade que usamos para fazer o desenvolvimento dos nossos líderes. E, principalmente, nos focamos nessa questão do líder desenvolvedor de líderes, ou seja, fazemos muitos trabalhos internos do desenvolvimento de liderança, em que os líderes de maior posição têm o papel de trabalhar os líderes que respondem a eles ou até os de outras áreas. Temos um programa de assessment anual, em que fazemos um ranqueamento dos nossos líderes, e para cada um a gente produz um PDI (Programa de Desenvolvimento Individual), que depende desse ranqueamento. Por exemplo, algumas pessoas têm problemas de desenvolvimento mais intenso, outras menos, dependendo da necessidade em si. Então, temos um trabalho bem extenso relacionado à liderança, o que, para mim, tem sido muito importante na melhoria da qualidade dessa força. Hoje eu a classifico como um ativo intangível bastante importante para a organização.
p&n - E depois de todas essas ações, vocês têm conseguido todos os resultados esperados, ou seja, tudo que vem por trás de uma liderança de sucesso?
Coutinho - Eu sou fã da nossa liderança, pelo seguinte: nós temos tido um destaque muito grande. Fomos premiados como o melhor lugar para se trabalhar pela Exame, Época e Great Place to Work. Temos tido reconhecimento externo da nossa ação sobre pessoas. Fazemos pesquisa de satisfação dos empregados e nossos índices são muito bons (82%), acima da média nacional. Recebemos, no ano passado, o prêmio Inovação Nacional, da CNI. A inovação é um processo forte dentro da nossa organização, e isso depende de pessoas. Então, todo esse reconhecimento, inclusive fora do Brasil fomos, por dois anos seguidos, eleitos o melhor lugar para se trabalhar na Flórida, por exemplo , me torna fã de carteirinha do nosso programa de liderança.
p&n - Qual o diferencial de um líder na Embraer?
Coutinho Não há nada específico no caso da Embraer. A matéria-prima do líder é gente, então ele tem que saber trabalhar com pessoas, e esse processo é igual em qualquer lugar. Agora, o que a gente tem, digamos assim, é que somos uma empresa de alta tecnologia, e os nossos empregados são de nível bom/alto. Isso exige uma liderança que também tenha um nível alto, porque você não consegue liderar uma equipe de alta performance se não tiver condições iguais. Eu diria que não há nenhuma qualidade específica, e sim as qualidades do líder: ter uma visão de futuro, habilidade de comunicação, habilidade de implementação de processos e obtenção de resultados, saber lidar, cuidar e desenvolver a equipe. Como trabalhamos com equipe de boa performance, isso exige que o líder tenha todas essas qualidades também em um nível elevado. Aquelas que são as qualidades do líder aqui se tornam mais necessárias, porque ou você tem realmente condições ou não vai ter a sua liderança aceita por uma equipe de alta performance, vai perder a sua posição, uma vez que liderança é uma posição outorgada pela sua equipe.
p&n - Algo a mais que você deseja comentar?
Coutinho - Se a gente quer ou precisa fazer uma transformação, ela tem que começar pela liderança. Essa é a grande força de transformação e de mudança dentro de uma organização. Hoje não dá, principalmente no nosso caso, em que competimos no mercado internacional, para viver em uma situação estática e de baixa transformação. É preciso se reinventar todos os dias, e nesse processo ou você tem uma liderança capaz de catalisar todos esses processos de transformação, ou você vai parar no tempo. Se parar no tempo, vai perder a sua sustentabilidade, porque os outros não estão parados. Então, a minha mensagem é esta: se você quer ter um grande negócio, tenha uma grande equipe de líderes, tenha um capital intangível na liderança que seja significativo. Eles vão elevar o seu negócio para um nível de excelência, sustentabilidade e perenidade.